A África precisa livrar-se da "Ajuda que mata", defende autora Dambisa Moyo

A África precisa livrar-se da "Ajuda que mata", defende autora Dambisa Moyo 23 Janeiro 2018

Como Zambiana com estudos pós-graduados em Administração Pública e Economia, em Harvard e Oxford, tem já no prelo um livro em que ataca a ajuda dos países desenvolvidos direccionada a África, bem como a sua recente mediatização por glamourosas celebridades. Ajuda que Mata (’’Dead Aid’’), título do livro, visa em particular as estrelas do rock. Chegou a falar com o Bono?

Sim, durante o Fórum Económico Mundial em Davos, Suiça, no ano passado. Organizaram uma festa para angariar fundos para os Africanos, mas não havia um único Africano na sala, a não ser eu.

Que opinião tem dele?

Só vou fazer um comentário geral a toda esta dependência das "celebridades." Discordo da situação tal como ela está agora, pois que essas celebridades se tornaram, seja inadvertida seja deliberadamente, os porta-vozes do continente africano.

Defende no livro que a ajuda ocidental não só perpetuou a pobreza em África, mas também a tornou pior, e, talvez seja o primeiro livro por um Africano a dizer isso formalmente, pede que se termine nos próximos cinco anos todo o tipo de ajuda a África.

Pensemos no seguinte: a China tem 1,3 mil milhões de pessoas, das quais só 300 milhões vivem como nós, ou seja, com padrões de vida ocidentais. Há mil milhões de Chineses que estão a viver em condições abaixo desse padrão. Ora bem, há aí alguém que esteja com pena da China? Ninguém!

Talvez seja porque têm tanto dinheiro que aqui nos EUA, estamos a pedir-lhes que por favor nos emprestem o seu dinheiro.

Há 40 anos, a China era mais pobre que a maior parte dos países africanos. É certo que hoje têm dinheiro, mas donde é que veio esse dinheiro? Foram eles que o fizeram, trabalhando duramente para chegarem à situação em que não dependem de ajuda.

Na sua opinião, o que é que fez atrasar os Africanos?

Acho que é sobretudo a ajuda. Se formos a ver, a corrupção — historicamente, os líderes têm roubado o dinheiro e ficado impunes — gera mais dependência, o que mata o empreendedorismo. Também gera o descomprometimento dos cidadãos africanos, porque o governo só tem de prestar contas aos doadores estrangeiros, tornando-se pois irresponsável perante o seu povo.

Mas se alguém quer ajudar, se não pode fazer doações, o que deve fazer ao dinheiro?

Microfinanças. Para criar empregos.

Mas se alguém só quer, por exemplo, doar 25 dólares (USD)?

Vá à Internet, a Kiva.org, onde pode fazer um empréstimo a um empreendedor africano.

V. tem alguma participação financeira no Kiva?

Não, excepto pelo facto de que recorri a esse sistema para pedir empréstimos. Não detenho qualquer participação que seja no Kiva.

Recentemente deixou um cargo na Goldman Sachs, onde trabalhou durante muitos anos. Pode especificar quais eram as suas funções nessa instituição financeira?

Trabalhei no mercado de capitais, no sector de emissão de acções destinadas a países em desenvolvimento. É por isso que eu sei o que é que funciona, nesse sistema.

Que países procuraram-na para obter crédito?

Israel, a Turquia e a África do Sul, principalmente.

Porque é que não fez esse trabalho a partir do seu país, a Zâmbia, ou de outros países africanos?

São muitos os políticos que mostram ter reacções lentas. Para que o sistema funcione, é preciso que o presidente, os ministros saiam do gabinete e vão pelo mundo a mostrar o que o seu país pode fazer. Mas se lhes basta pegar no telefone, ligar para o Banco Mundial e pedir, "Por favor, mande-me aí uma certa quantia em dinheiro", para que hão-de eles ter todo esse trabalho?

Tem-se escrito sobre uma nova vaga de xpresidentes africanos que são, diz-se, pela iniciativa e pelo mercado, inclusive cita-se Rupiah Banda, presidente da Zâmbia.

Muitos são os que nominalmente são pelo mercado, mas não têm tido suficiente iniciativa para conduzir essas políticas à prática.

Os seus pais: o que fazem?

A minha mãe pertence ao Conselho de Administração do Indo-Zambia Bank. É uma joint-venture entre a Zâmbia e a Índia. O meu pai dirige a Integrity Foundation, que é uma organização anticorrupção.

É alguém que acredita no potencial do capitalismo, mas vê-se que o mercado está em queda livre e toda a gente pergunta onde estão afinal as maravilhas do mercado livre.

Gostaria muito que todos nós passássemos a questionar o modelo de ajuda, com a mesma atenção com que estamos a questionar o modelo capitalista. Às vezes, a melhor resposta é dizer simplesmente não. Fonte: NYTimes

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