As razões da queda do turismo cabo-verdiano

A competitividade do turismo cabo-verdiano não está irremediavelmente condenada a manter-se na mediania baixa, dizem os especialistas contactados pelo Expresso das Ilhas, mas as quedas no ranking do Fórum Económico Mundial mostram que o sector não está a merecer a devida atenção, de todos: público e privados.

De dois em dois anos, é conhecido índex da competitividade do Turismo e Viagens, na classificação de 2019, Cabo Verde é o 88º num total de 140 países.

O turismo representa cerca de 25% do PIB de Cabo Verde, 50% das exportações do país, é responsável por 20% dos empregos e se continuarmos a análise fria que os números proporcionam, e lermos o último relatório de competitividade lançado a semana passada pelo Fórum Económico Mundial, chegamos à conclusão que o arquipélago é pouco competitivo no setor. Isso significa, em resumo, que Cabo Verde não está a aproveitar as suas potencialidades.  

 “O principal problema”, diz ao Expresso das Ilhas o gestor Paulino Dias, “é que o turismo nunca foi, de facto, gerido estrategicamente pelos sucessivos Governos”. Apesar de ter existido um Plano Estratégico do Turismo (Paulino Dias foi um dos autores), este nunca foi assumido estrategicamente com a coerência, o foco e a disciplina em torno de princípios e opções de políticas claramente definidas. “O turismo foi crescendo — e de forma acelerada nos últimos anos — não porque fizemos de facto alguma coisa mas mais porque outros destinos tiveram problemas”, sublinha o CEO da PD Consult.

Opinião semelhante é partilhada pelo consultor Amílcar Monteiro. “Sem uma articulação estratégica e a boa gestão dos fatores de competitividade do destino, é improvável que o país cresça e aumente a sua competitividade, per sí, para além dos números de chegadas geradas pelo turismo all-inclusive no Sal e na Boa Vista”, refere o antigo Diretor-Geral da Indústria e Comércio.

Quem conhece bem o setor por dentro, alinha nas mesmas ideias. Carlos Santos, administrador do Grupos Oásis Atlântico em Cabo Verde, diz ao Expresso das Ilhas que, apesar da construção de um destino turístico ser um processo sempre inacabado, “ao longo destes últimos anos, o país foi sendo empurrado pelos investimentos de grandes grupos hoteleiros para se transformar num destino, hoje, já com uma notoriedade razoável. Os sucessivos governos foram-se adaptando à nova realidade, muito embora com investimentos tímidos na construção de um produto que pudesse ser a força motriz do crescimento do Turismo. Com efeito, em vez de induzirem o crescimento em torno de um produto âncora, o país continua a ser rebocado pelos grandes projetos hoteleiros”, defende.

Em 2018, de acordo com a Organização Mundial de Turismo, o número de chegadas internacionais de turistas em todo o mundo chegou aos 1,4 mil milhões, um número que foi alcançado dois anos antes do turismo. 2018 assinalou também o sétimo ano consecutivo em que o crescimento das exportações de turismo (+ 4%) foi maior do que o crescimento das exportações de mercadorias (+ 3%). A este ritmo, a previsão de que as chegadas internacionais atingirão 1,8 mil milhões até 2030 pode ser conservadora. 

Estes dados apresentam um enorme potencial para o sector e para as economias globalmente, na medida que as viagens estão cada vez mais democratizadas. As economias emergentes estão não só a contribuir com proporções cada vez maiores de viajantes como estão a tornar-se cada vez mais desejáveis como destinos. 

Por outro lado, tornou-se corrente, desde 2017, a expressão “turismo excessivo”, usada para representar o impacto negativo que o turismo pode ter sobre um destino, os seus residentes e visitantes. Geralmente, o congestionamento e superlotação é o resultado da má gestão do turismo, e o “turismo excessivo” acontece quando os destinos excedem a capacidade de suporte turístico [A capacidade de carga turística é definida pela Organização Mundial de Turismo (OMT) como “o número máximo de pessoas que podem visitar um destino turístico ao mesmo tempo, sem causar destruição do ambiente físico, económico e sociocultural e uma diminuição inaceitável da qualidade satisfação dos visitantes “]. 

É nesse contexto de enorme potencial de crescimento e crescente pressão sobre as infra-estruturas e os serviços turísticos que a competitividade das viagens e do turismo pode ser vista, simultaneamente, como um poderoso impulsionador do crescimento económico ou como um risco para o desenvolvimento contínuo da indústria, se não for gerido corretamente. 

“O turismo, em Cabo Verde, vem acontecendo”, refere Paulino Dias. “Os resultados estão à vista: um turismo distorcido, altamente concentrado (quanto a mercados de origem, quanto a ilhas de destino, quanto a tipologia de produtos - com predominância do sol e mar - quanto a operadores turísticos, quanto a fornecedores...), um turismo com impactos sociais e ambientais expressivos (ver por exemplo o caso dos bairros clandestinos na Boa Vista e no Sal), um turismo repleto de medidas de política atabalhoadas, incoerentes e sem um fio condutor claro”. 

“Enquanto os dados do INE indicam um aumento de chegadas com um crescimento anual de cerca de 10% na última década”, sublinha Amílcar Monteiro, “a forte dependência do turismo baseado em praias, centrada em apenas 2 ilhas, e operada essencialmente por grandes players mundiais do turismo, que pagam baixos salários e detém total poder de barganha sobre as condições que acontece o turismo em Cabo Verde, indicam que o país não está a trilhar uma linha sustentável para o desenvolvimento do destino pelo que esta situação não pode ser ignorada”. Para Carlos Santos, muitos factores explicam o patamar de competitividade em que Cabo Verde se encontra, desde o ambiente de negócios, resultado daquilo que se fez e não se fez em matéria de reformas a nível do quadro legislativo e institucional; passando pelo que considera ser a visão conservadora que os países parceiros de Cabo Verde e as instituições financeiras multilaterais têm relativamente ao papel do Turismo no processo de desenvolvimento do país e, em consequência, a timidez em contemplar este sector nos programas indicativos de cooperação; até à pouca atenção dada pelos sucessivos governos, apesar de incluírem o Turismo nos vários programas, planos e discursos, como sendo o setor motor da economia; terminando na economia de experiência da atividade que o administrador do Grupo Oásis considera incipiente, o que se traduz no pouco know-how existente e no escasso número de quadros cabo-verdeanos qualificados a desempenhar funções na área de hotelaria e afins. “Feita esta constatação e não querendo entrar na discussão sobre o porquê da queda de 5 lugares, pois obrigaria a uma leitura mais atenta dos critérios utilizados para se chegar ao resultado obtido, queremos tão simplesmente anotar que é perceção, quase unânime, da classe empresarial do sector, que ao longo desta última década poder-se-ia estar numa posição superior em termos de competitividade turística. Essa realidade por muitos almejada dependeria de uma escolha acertada das prioridades de ações a desenvolver, designadamente, na qualificação do produto turístico nacional, na capacitação intensiva de quadros, na definição de uma estratégia coerente de promoção do destino e na aposta de uma política de inclusão económica e social, permitindo que o empresariado nacional pudesse tirar um maior partido dos proventos desta atividade e que a classe trabalhadora pudesse estar melhor integrada nas duas principais ilhas que mais recebem turistas”. 

O Relatório de Competitividade em Viagens e Turismo serve como uma ferramenta estratégica de comparação para decisores políticos, empresas e sectores complementares para avançar no desenvolvimento futuro do setor de turismo e transportes. Fornece uma visão única das forças e áreas de desenvolvimento de cada país/economia para aumentar a competitividade da indústria. Além disso, serve como uma plataforma para o diálogo com as várias partes interessadas para entender e antecipar tendências e riscos emergentes em viagens e turismo globais, adaptar políticas, práticas e decisões de investimento e acelerar novos modelos que garantam a longevidade do sector. O índice é composto por quatro sub-índices, 14 pilares e 90 indicadores individuais. 

Os resultados de 2019 mostram que o transporte aéreo, a conetividade digital e a abertura internacional estão a avançar, mesmo neste contexto global de crescentes tensões comerciais e nacionalistas. A abertura internacional está a progredir, com economias de baixo rendimento a liderarem o caminho. As viagens também se tornaram, na maioria das vezes, mais baratas e mais seguras. 

Mas para Paulino Dias, em Cabo Verde, a tendência é a ver o turismo, apenas, como um fim em si mesmo. “O próprio programa de Governo define como meta, para o setor, alcançar um milhão de turistas. Quando, na minha modesta opinião, o turismo devia ser visto como um meio para se alcançar um fim que devia ser o bem-estar dos cabo-verdianos. Não é uma questão de pormenor ou de mera semântica: influencia a forma como tomamos decisões em matérias relevantes para o turismo. Não planeamos o turismo. Não temos — de facto! — um plano, políticas para o setor de turismo, não obstante os inúmeros anúncios neste sentido. Nada. O turismo vai acontecendo. Não me surpreende, portanto — nem um pouco! — esta perda de competitividade relativa de Cabo Verde. É que enquanto nós estamos parados, os outros destinos concorrentes estão a mexer-se. A Tunísia criou uma estrutura própria com a missão de recuperar o fluxo, perdido com a Primavera Árabe. A Turquia está agressivamente a investir na sua competitividade. Egito, idem. E nós? Que políticas concretas temos adotado, além de fóruns inconsequentes? Zero!” 

Já Amílcar Monteiro defende que os decisores políticos, empresários e partes interessadas podem melhorar o diálogo em torno das prioridades de reformas e de articulação em torno das questões que bloqueiam o desenvolvimento do turismo fora do eixo Sal e Boa Vista, “para podermos, efetivamente, caminhar para a diversificação do turismo para as ilhas mais populosas e que oferecem outras condições para o turismo de natureza ou baseada em ativos culturais como é a Cidade Velha enquanto património histórico da UNESCO”. 

“A dificuldade entre nós”, resume o consultor, “parece ser sair da teoria para a prática efectivamente sustentável. Apesar dos n fórums, estudos e planos realizados, a realidade é implacável e o turismo fora do all-inclusive ainda não está suficientemente diversificado havendo uma enorme bolha em torno do all-inclusive que impede uma leitura mais atenta dos números e o desenvolvimento de estratégias específicas para o desenvolvimento do turismo em ilhas como a Fogo, Santo Antão, Santiago, São Vicente, Brava e São Nicolau”. 

Opinião consensual entre os peritos é que o país tem perdido imenso tempo. Apesar do Governo a economia do turismo como prioridade, esta ainda é uma atividade essencialmente privada, onde os privados precisam de mais espaço e mais voz nas decisões que afetam o desenvolvimento do destino.

Em termos globais, a África subsaariana, devido aos níveis historicamente mais baixos de desenvolvimento económico, continua a enfrentar dificuldades na saúde e higiene, infra-estrutura geral e ven­da efetiva de viagens cultu­rais e de negócios.

No entanto, como refere o Fórum Económico Mundial, a região mostra um grande potencial inexplorado para o turismo, que pode ser melhor utilizado com mais desenvolvimento e mais investimento.

Fonte: Expresso das Ilhas

Notícias